Dispositivo jurídico voltado a empresas em dificuldades financeiras que desejam reorganizar suas operações e evitar a falência, a Recuperação Judicial tem sido um recurso cada vez mais frequente no mundo dos negócios.
Seja por mudanças abruptas de cenário, seja por dificuldades operacionais persistentes, má gestão ou mesmo em decorrência de crise econômica, o fato é que o Brasil tem registrado números elevados de pedidos de Recuperação Judicial nos últimos anos.
Para se ter uma ideia, dados do Indicador de Falência e Recuperação Judicial da Serasa Experian mostram que os pedidos de recuperação judicial no Brasil alcançaram um nível histórico no primeiro semestre de 2024. Entre janeiro e junho foram 1.014 pedidos registrados, um crescimento de 71% em relação ao mesmo período do ano passado.
No centro desse processo está o plano de recuperação judicial, um documento estratégico e essencial que define os caminhos a serem seguidos para restabelecer a saúde financeira do empreendimento.
Neste artigo vamos avaliar a importância do plano para o processo de recuperação judicial, quais os parâmetros para que ele seja elaborado, a quem deve ser apresentado e como pode ser a chave para o sucesso na superação da crise.
O que é a recuperação judicial?
A recuperação judicial é uma ferramenta jurídica que permite às empresas negociar suas dívidas com a mediação da Justiça enquanto mantêm suas atividades. Regulado pela Lei nº 11.101/2005, o processo oferece uma oportunidade para que empresas em dificuldades reorganizem sua estrutura financeira e operacional de modo a garantir a continuidade do negócio e preservar empregos.
O principal objetivo da recuperação judicial é, portanto, possibilitar que uma empresa em crise consiga renegociar dívidas com credores, reorganizar suas operações e retomar sua capacidade de gerar lucro e se tornar sustentável no longo prazo.
Diferentemente da falência, que resulta no encerramento das atividades da empresa, a recuperação judicial busca preservar o negócio e seus benefícios sociais, como geração de empregos e arrecadação de tributos.
Vale lembrar, no entanto, que o processo de recuperação de uma empresa não ocorre apenas perante a justiça. Ou seja, ela também pode ocorrer de forma extrajudicial.
O que é o Plano de Recuperação Judicial?
O plano de recuperação judicial é um documento elaborado pela empresa em recuperação e apresentado aos credores. Ele descreve de maneira detalhada as estratégias, ações e condições que serão adotadas para reorganizar as finanças e garantir a continuidade do negócio.
Instrumento de reequilíbrio, o plano de recuperação judicial deve ser apresentado à Justiça em até 60 dias, contados da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial.
Na prática, no entanto, a elaboração do plano de recuperação se dá em momento anterior ao ingresso em juízo . Por tal razão, é possível e coerente que, em alguns casos, o devedor consiga negociar com credores extrajudicialmente, fazendo com que todos aquiesçam com o conteúdo do plano, passando o devedor a cumpri-lo voluntariamente, sem a necessidade de ingressar com o pedido de recuperação judicial.
O Plano de Recuperação Judicial (PRJ) é um dos pilares de um sistema inaugurado pela lei 11.101/2005 e aprimorado pela reforma de 2020, por meio da lei 14.112/20.
Além de funcionar como um guia interno para a empresa, o plano é também um compromisso formal com os credores, que precisam aprová-lo em assembleia para que ele entre em vigor, após a devida homologação pelo Juiz.
Por que o plano é essencial na Recuperação Judicial?
Em linhas gerais, o plano de recuperação judicial formaliza os interesses tanto de credores como do devedor, reunindo-os em um mesmo ambiente que propõe uma solução para reerguer a empresa. Instrumento básico da recuperação judicial, é por meio desse plano que a empresa demonstra sua viabilidade econômica, descrevendo as medidas que serão adotadas para que a empresa seja reerguida.
A importância do plano de recuperação judicial passa pelos seguintes pontos centrais:
– Organização e direção estratégica
O plano de recuperação oferece uma demonstração clara e estruturada sobre os passos da empresa para sair da crise. Ele estabelece objetivos, prazos e responsabilidades, propiciando a todos os envolvidos uma direção clara a seguir.
– Confiança dos Credores
Os credores precisam ter segurança de que a empresa é capaz de se recuperar. Um plano bem elaborado demonstra seriedade, viabilidade e compromisso, com isso aumentando as possibilidades de sua aprovação na assembleia de credores.
– Proteção contra falência
A aprovação do plano suspende o risco imediato de falência, propiciando à empresa tempo e condições para implementar as mudanças necessárias.
Gestão eficiente dos recursos
Com um plano bem definido, a empresa pode priorizar as ações que têm maior impacto na recuperação financeira, racionalizando o uso de recursos que são limitados.
Alinhamento entre as partes interessadas
O plano de recuperação judicial serve como um ponto de convergência entre a empresa, os credores e outros stakeholders, garantindo que todos compartilhem os mesmos objetivos.
Elementos essenciais do Plano de Recuperação Judicial
Um bom plano de recuperação judicial deve ser realista, detalhado e viável. Entre os principais elementos que ele deve conter, estão:
1. Diagnóstico da situação da empresa
Antes de propor soluções, o plano deve apresentar um diagnóstico detalhado das razões da crise. Isso inclui:
• Descrição das causas da crise: o que levou a empresa à situação atual? Pode ser a queda de receitas, aumento de custos, mudanças no mercado ou má gestão.
• Análise do cenário de momento: demonstrativos financeiros que mostrem a real situação da empresa, como balanços patrimoniais e demonstrações de resultados.
• Identificação de oportunidades: aspectos que podem ser explorados para reverter o quadro negativo.
Além dos itens acima, o Plano de Recuperação deverá conter: (i) discriminação pormenorizada dos meios de recuperação, (ii) demonstração de sua viabilidade econômica e (iii) laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor legalmente habilitado ou empresa especializada.
Proposta de reestruturação das dívidas
A proposta de reestruturação das dívidas é o núcleo do plano de recuperação. Nessa seção, a empresa deve demonstrar como pretende renegociar prazos, valores e condições de pagamento junto aos credores. Isso pode incluir descontos (deságios), prorrogação de vencimentos, conversão de dívidas em participação societária ou outros instrumentos financeiros, sempre respeitando os preceitos legais e buscando a viabilidade econômica.
3. Mecanismos de financiamento e investimentos
O plano precisa demonstrar como a empresa pretende captar recursos para viabilizar sua recuperação. Isso pode incluir novos financiamentos, venda de ativos não essenciais, aumento de capital e parcerias estratégicas. Esses mecanismos são fundamentais para garantir o fluxo de caixa necessário para a execução das medidas previstas no plano.
4. Medidas operacionais e estratégicas
Além do quadro financeiro, o plano deve contemplar mudanças operacionais e estratégicas para a revitalização do negócio. Isso pode envolver reorganização administrativa, redução de custos, ajustes no modelo de negócios, diversificação de produtos ou serviços, e até mesmo a alienação de unidades produtivas isoladas. O objetivo é garantir que a empresa se torne competitiva e sustentável a longo prazo.
5. Cronograma detalhado de execução
Outro componente essencial é a definição de um cronograma detalhado das ações a serem implementadas. Esse cronograma deve estabelecer prazos realistas para o cumprimento de cada etapa do plano, permitindo aos credores e ao judiciário acompanhar sua execução de forma eficaz.
6. Previsão de impactos para os credores
O plano de recuperação judicial deve demonstrar de forma objetiva os benefícios esperados para os credores, indicando como a recuperação da empresa trará melhores perspectivas de pagamento em comparação com a falência. Essa previsão deve estar baseada em cálculos sólidos, alinhados com as propostas de reestruturação das dívidas.
7. Conformidade com os aspectos legais
É imprescindível que o plano de recuperação judicial esteja em conformidade com as disposições legais previstas na Lei nº 11.101/2005. Isso inclui o respeito à ordem de preferência de pagamento, o tratamento equitativo dos credores da mesma classe e a obtenção da aprovação em assembleia geral de credores.
O papel da Assembleia de Credores
A Assembleia Geral de Credores (AGC) é uma das principais instâncias previstas pela Lei nº 11.101/2005 no processo de recuperação judicial. Seu papel vai além de uma simples reunião para votação de propostas, representando um fórum democrático em que credores e devedores discutem alternativas para viabilizar a superação da crise financeira de uma empresa
Convocada pelo administrador judicial e conduzida dentro das diretrizes estabelecidas pela legislação, a AGC é um espaço onde os interesses dos credores de diferentes classes (trabalhistas, garantidos, quirografários, micro e pequenas empresas) podem ser debatidos e conciliados.
A assembleia de credores é um elemento crucial do processo de recuperação judicial, pois é nela que o plano é discutido e submetido a votação. Durante a assembleia, os credores analisam as propostas de pagamento, renegociação de dívidas e outras medidas contidas no plano. Para ser aprovado, o plano precisa conquistar a maioria dos votos, de acordo com critérios estabelecidos pela legislação.
Regras de votação
A votação ocorre separadamente para cada classe de credores, sendo necessário observar os seguintes critérios de quórum:
• Primeira convocação: presença de credores que representem mais de 50% dos créditos em cada classe;
• Segunda convocação: quórum reduzido, com qualquer percentual de presença.
Para a aprovação, exige-se a maioria simples de votos por valor de crédito e per capita em cada classe.
A aprovação do plano pelos credores é um indicativo de confiança na recuperação da empresa e marca o início efetivo da implementação das ações propostas.
Para que as deliberações da AGC sejam válidas, é necessário cumprir os quóruns de instalação e votação. A legislação brasileira determina regras específicas para cada classe de credores, com base na maioria simples de votos por cabeça e pela proporção de créditos. Esse sistema visa garantir a representatividade de credores menores, equilibrando o peso das decisões.
A AGC é essencial para o êxito do processo de recuperação judicial, uma vez que possibilita a participação ativa dos credores na construção de soluções viáveis. A interação entre as partes fortalece a confiança no processo, reduzindo as possibilidades de litígios e aumentando a probabilidade de sucesso da recuperação.
Consequências da rejeição do plano pela assembleia
Caso o plano seja rejeitado na AGC, as consequências podem ser severas, incluindo a conversão do processo de recuperação judicial em falência. Essa hipótese reforça a importância de uma postura colaborativa entre a empresa e os credores durante as negociações.
O papel do juiz no processo
Após a aprovação na AGC, o plano deve ser homologado pelo juiz. Caso o plano seja rejeitado, a lei prevê a convolação do processo em falência, salvo em casos excepcionais em que o juiz, valendo-se do chamado “cram down”, pode homologar o plano mesmo sem a aprovação de todas as partes, desde que atenda critérios legais, como o pagamento mínimo a credores trabalhistas.
Uma vez aprovado e homologado, o plano se torna vinculante para todas as partes, incluindo os credores ausentes ou dissidentes. A empresa deve, então, seguir rigorosamente as condições estabelecidas no plano. O descumprimento pode levar à extinção da recuperação judicial e à decretação de falência.